Tudo o que de mim se perde
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio - não me frequento.
“Brasil, um país que se perde na sua riqueza; Amazonas, igualmente se desconhece, busca
sempre nas cercania; Envira, perde suas oportunidades e sua população; todos não se
frequentam.”
Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
“Uma nação, uma cultura; tanta beleza, mas perde-se em meio a tanta mazela e esta mal
disfarçada”.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto contemplar
aquilo que ignoto sou;
distinguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.
“Amargo poder da mão que ostenta a caneta que comanda; Ignota é, em três níveis de
poder também, e a plebe abandonada”
Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.
“O sonho já se confunde com pesadelo, ou delírio febril; Si este Deus - for ganância por
dinheiro - cobiça algo não utilizado, parece que se começa a utiliza”
Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhado
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo - pânico mudo -
entre o sonho e o sonhador.
“Cego seguiremos em frente, com os olhos abertos é quase impossível; A ignorância evita
muitas angústias; A ganância de ser uma nação inteira depare-se com a abissal realidade
de muitos Brasis, Amazonas, Enviras.
Poema: Narciso Cego
Publicado no livro Narciso Cego; Seguido do Romance do Primogênito (1952).
In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 198
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